Fernando Lottenberg: “Democracia é o melhor remédio contra a corrupção”

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O protagonismo da Justiça tem sido um traço marcante da vida nacional nos últimos anos. Garantindo ou não justiça, o Poder Judiciário está no palco com as luzes todas acesas, e diante de um público muito atento. O fenômeno tem raízes objetivas, no enfraquecimento dos demais poderes, e subjetivas, na ânsia popular para por fim à tradicional impunidade brasileira.

Um aspecto muito positivo dos novos ventos é o aparente consenso de todos os atores sociais e políticos em torno de resolverem suas pendências na legalidade. Pode parecer pouco, mas a história do Brasil prova que não. Nenhuma crise brasileira estendeu-se tanto tempo sem que nenhum jogador relevante recorresse ou pensasse em recorrer à ruptura institucional. Nisso, avançamos.

Outro detalhe elogiável é a Justiça estar alcançando camadas e grupos sociais que tradicionalmente estiveram, na prática, fora do alcance dela. Se “A Lei é Para Todos” continua sendo uma utopia, tudo indica que após quatro anos de Lava Jato estamos mais próximos de um país onde nenhum cidadão fica completamente protegido ao infringir a legislação.

Mas não se faz omelete sem quebrar ovos, e há problemas neste novo mundo. O vácuo político suga os promotores, advogados e magistrados para um ativismo também político.

A Justiça corre o risco de se dividir em partidos, a vontade política ameaça substituir a necessária observância dos limites colocados por textos legais aprovados nos processos legislativos previstos constitucionalmente.

Outro risco é os tribunais superiores, especialmente o Supremo Tribunal Federal, avocarem para si a solução sistemática de diferenças políticas, algo que caberia aos políticos fazer. É também verdade, porém, que na maior parte dos casos são os próprios políticos que acionam as cortes, quando não aceitam ter sido derrotados no processo legislativo.

Desse fenômeno decorre uma patologia secundária, mas nem por isso menos perigosa: as várias instâncias da Justiça vão sendo transformadas em poder constituinte derivado, com colegiados, juízes e ministros, estes individualmente, a definir o que deveria ser introduzido na Carta para torná-la melhor.

São evidentes as consequências perniciosas dessa tendência para a segurança jurídica.

O Direito, que deveria reduzir incertezas, passa ele próprio a ser uma de suas fontes. Sofre também a democracia, pois juízes são escolhidos por concurso, não pelo voto popular, que no nosso ordenamento é a fonte última de poder. O Brasil precisa evitar a tentação de deslizar em pleno século 21 para uma modalidade própria de absolutismo supostamente esclarecido.

Devemos ainda tomar cuidado com a tendência de culpar os direitos e garantias constitucionais pela impunidade. Após trinta anos de democracia, há quem veja no respeito aos direitos humanos e na observância ao devido processo legal dois obstáculos a que os criminosos, especialmente os de colarinho branco, sejam punidos na forma da lei. Trata-se de um triste equívoco.

A corrupção existe em todas as sociedades. E é muito mais fácil combatê-la na democracia do que na ditadura. A ditadura dos “puros e bons” é uma utopia rapidamente ultrapassada pela realidade quando se tenta colocar a coisa em prática.

Na vida real, a vantagem da democracia corrupta para a ditadura corrupta é que na primeira você não vai preso ao denunciar a corrupção.

Fernando Lottenberg é advogado, sócio de Lottenberg Advogados, Doutor em Direito Internacional pela USP.

FONTE: http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2018/01/03/democracia-e-o-melhor-remedio-contra-a-corrupcao/

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