Fábio Eduardo Galvão, para a Folha de S. Paulo: A Lei Anticorrupção deve se aplicar a partidos? NÃO

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Marina Oliveira Martins/Leitora
Marcha anticorrupção
Manifestantes realizam marcha anticorrupção na avenida Paulista

PARTIDOS TÊM REGIME JURÍDICO ESPECÍFICO

Os partidos políticos tiveram origem na Inglaterra, durante o reinado de Elizabeth I, de 1558 a 1603. Nos Estados Unidos, os partidos deram sustentação à Convenção da Filadélfia, em 1787, consolidando a União das 13 colônias independentes da Inglaterra.

No Brasil, os partidos surgiram ainda no período imperial, incentivando a formação da República e o estabelecimento do regime democrático brasileiro.

Os partidos políticos são essenciais para o funcionamento da democracia representativa e o exercício das liberdades civis. O atual cenário político trouxe à baila novamente a importância de se combater a corrupção e a impunidade dos agentes políticos.

Há quem defenda a aplicação da Lei 12.846/13, conhecida como Lei Anticorrupção, para fiscalizar as atividades dos partidos políticos e controlar o financiamento das campanhas eleitorais.

A Lei Anticorrupção brasileira criou a possibilidade de responsabilização objetiva de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Na sua letra fria, a lei se aplica às empresas e sociedades personificadas ou não, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas.

Por sua vez, o Código Civil estabelece que os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, que têm sua organização e funcionamento disciplinados em lei específica.

É um equívoco inferir que o regime da Lei Anticorrupção alcance os partidos políticos, sendo de rigor lembrar que a elaboração da norma brasileira teve como base a FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), lei americana que desencadeou o processo de combate à corrupção internacionalmente.

Como é reconhecido pelo próprio Departamento de Justiça americano, o propósito da FCPA foi o de impor penalidades a pessoas físicas e jurídicas que realizem pagamentos na forma de suborno perante órgãos de governo e partidos políticos no exterior, a fim de obter ou manter negócios nos Estados Unidos, mas não diretamente a aplicação de sanções aos partidos.

Desse modo, a finalidade da lei americana, que é fiscalizada pelo Departamento de Justiça dos EUA e pela SEC — Securities and Exchange Commission (órgão semelhante à CVM – Comissão de Valores Mobiliários), é o de combater a corrupção transnacional.

A FCPA não se aplica aos partidos políticos, mas sim às empresas dos Estados Unidos que venham a praticar atos de corrupção no estrangeiro e aos “funcionários de governos estrangeiros”.

Dessa maneira, não faz sentido a interpretação de que um partido político poderia ser dissolvido pela Justiça brasileira por ato de seus representantes, pois os agentes políticos, como dispõe o Código Civil, têm a sua atuação disciplinada em leis específicas, por meio de um regime próprio que não se confunde com o da Lei Anticorrupção.

No ordenamento jurídico brasileiro, há diversas infrações previstas no Código Eleitoral (Lei 4.737/65), na Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95) e na Lei das Eleições (9.504/97), compondo o regime jurídico especial aplicável aos partidos políticos, no Brasil.

Defender a imunidade dos partidos e a não incidência da Lei Anticorrupção aos atos de seus representantes não significa definir a impunidade dos agentes políticos, mas se trata de apenas esclarecer que o regime da Lei 12.846/13 é aplicável, de forma restrita, às pessoas jurídicas de direito privado que estão efetivamente submetidas à sua incidência, o que não é o caso dos partidos políticos brasileiros.

FÁBIO EDUARDO GALVÃO é sócio do Medina Osório Advogados e ex-superintendente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários)

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