Medina Osório: Emenda Moro é bem-vinda

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Consagrar novos crimes de responsabilidade traduziria, simplesmente, a previsão de infrações políticas, sujeitas ao crivo do Congresso

É possível criar uma lei dos crimes de responsabilidade para todos os juízes e membros do Ministério Público de todo o Brasil por força de lei ordinária ou até por emenda constitucional? Claro que não.

Emenda MoroA independência dos magistrados e membros do Ministério Público e a separação dos poderes constituem cláusulas pétreas. Solapar essas garantias constitucionais significaria um retrocesso inadmissível no Estado Democrático de Direito. Além disso, consagrar novos crimes de responsabilidade traduziria, simplesmente, a previsão de infrações políticas, sujeitas ao crivo do Congresso. Ao contrário do que muitos imaginam, não é o Judiciário que julga crimes de responsabilidade, mas o Parlamento, nos termos da Lei 1079/1950. Logo, esses agentes ficariam submetidos a um juízo meramente político de avaliação.

A instância política de julgamento profere impeachment e não tem obrigação de fundamentar seus votos. As autoridades expostas a esse tipo de apreciação estão listadas na Constituição. Não se pode, sequer por emenda constitucional, ampliar esse rol, porque haveria óbice intransponível. Uma autoridade passível de impeachment está submersa num específico dever de responsabilidade política perante o Parlamento. Esse dever está inserido no coração do princípio da separação de poderes. De algum modo, submeter outras autoridades a esse controle significa reconfigurar a separação de poderes em seu núcleo essencial, na medida em que pode afetar o funcionamento do Estado Democrático de Direito.

E quanto aos ilícitos de abuso de autoridade? Bem, essa é uma outra lei, que também tem por objetivo cercear a independência dos juízes e promotores. Uma lei de abuso de autoridade poderia significar, na prática, algo similar à Lei de Improbidade Administrativa, porém inserida na instância penal, com o risco de se outorgar ao juiz penal competência para aplicar penalidades, através de cláusulas gerais e conceitos excessivamente indeterminados.

A emenda “Moro” — como foi batizada aquela sugestão do juiz Sérgio Moro no sentido de que não pode constituir crime a mera divergência na interpretação da lei durante avaliação de fatos e provas — pode resolver um problema para o qual alerto há muitos anos na seara da improbidade administrativa. Desde 1997, escrevo que não se pode condenar alguém quando há alternativas de interpretação, seja dos fatos, seja das normas.

O problema é que a jurisprudência em torno da Lei 8.429/92 (improbidade) tem sido muito rigorosa com os gestores públicos, aos quais não tem sido reconhecido o direito ao erro. E esse direito se deve garantir aos advogados, médicos, profissionais liberais, juízes, membros do Ministério Público etc.

Imaginem se toda e qualquer irregularidade fosse considerada improbidade? O que ocorreria? Um mandado de segurança, julgado procedente, haveria de ensejar remessa de cópias para ofertar ação contra a autoridade coatora.

Especialmente devido à emenda “Moro”, esse projeto de lei de abuso de autoridade chama a atenção para uma terrível injustiça que se tem cometido contra gestores públicos e particulares em ações de improbidade, quando são condenados não por má-fé, mas porque optaram por uma interpretação da lei em desconformidade com a visão trilhada por aquela que é a do Ministério Público ou a do Judiciário.

É hora de se ter foco nas ações de improbidade para as grandes questões que afligem o país, mas coibindo-se arbitrariedades e injustiças nos casos em que há meras divergências de interpretações.

Fábio Medina Osório é presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado e foi ministro da Advocacia-Geral da União

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